terça-feira, 17 de novembro de 2009

6 - Sete quilômetros e meio com Leão Lobo

A entrevista em mp3

Muita gente pensa que, por este ser um blog sobre futebol, só os boleiros podem ler. Esta nova série, de entrevistas com famosos aleatórios, mostrará que, assim como não é preciso conhecer futebol para falar dele, não é preciso entender de futebol para ler sobre ele. O Leão Lobo é uma prova disso.

Quando disse para ele o assunto desta entrevista, ele se empolgou a ponto de exibir aquela risadinha exclusiva para os melhores boatos – “Boatos, não. Histórias, mesmo!” Mas ele me alertou. Disse que não entende nada sobre o assunto. “Mas Leão, é por isso mesmo que quero entrevistá-lo!”.

Cheguei na Record no horário combinado. 11 horas da manhã. Mas era dia de gravação, e ele só pôde me atender 20 minutos depois. O atraso não me atrapalharia, mas havia outros dois jornalistas que teriam que dividir a entrevista comigo. Se já é complicado realizar uma boa entrevista com um leigo, eu estaria lascado se tivesse que dividi-lo. Leão avisou que teríamos que entrevistá-lo no carro, pois teria que seguir a uma produtora. Melhor para mim: os outros dois jornalistas estavam de carro, e não poderiam apanhar a carona.

Saindo da Record, Leão tomava a iniciativa de cumprimentar a todos que encontrava – fosse gente conhecida ou não. Isto não servia somente para aqueles que percebiam a presença de Leão e tinham vergonha ou receio de cumprimentá-lo. Servia principalmente para Leão não passar despercebido por aqueles que, por qualquer problema na visão, não o tivessem notado.

Entramos no carro preto, espaçoso, confortável e luxuoso que o estava esperando, e foi Leão quem abriu a porta para mim. O ar-condicionado convinha, pois fazia mais de 30 graus. E assim que me sentei no banco de trás e Leão no passageiro da frente, fui apresentado a Márcio, o motorista. Ele fez o favor de baixar o rádio, sintonizado em alguma dessas rádios chiques. E começou a entrevista que durou sete quilômetros e meio: da Record, na Barra Funda, até a Alameda Santos, na altura do Itaú Cultural, na Vila Mariana.

Leão mostrou uma surpreendente desenvoltura para falar sobre futebol. Ele revelou alguns conhecimentos pouco óbvios, como saber que Zetti já foi jogador do Palmeiras, e assumiu publicamente que detesta o Kaká. Isso, porém, não é tão surpreendente assim para quem já assumiu que é gay. Mas tudo, tudo o que Leão diz resvala sempre em algum famoso, alguma celebridade. A sensação é a de que, para ele, qualquer história, por mais banal que seja, ganha um brilho inesperado quando toca, mesmo que minimamente, alguma celebridade.

Vamos à entrevista.

Eu não sou Mané, Garrincha!: Como começou a torcer pelo Palmeiras?

Leão Lobo: Eu torço para o Palmeiras porque meu avô é italiano. Ele era da Calábria, aí ele era palestrino. Então influenciou muito a minha irmã, que era apaixonada pelo meu avô. Aí ela virou palestrina, também. E eu, apaixonado pela minha irmã, também. Quer dizer, era o time da minha irmã, então devia ser bom. Aí me apaixonei, comecei a acompanhar as histórias. Tinha aquele pintadinho, o Ademir da guia. Tive uma boa época de Palmeiras!

Mané: Hoje em dia você ainda se importa?

Leão: Ah, me importo. Acho que mais hoje do que naquela época. Talvez até porque o futebol tenha ficado cada vez mais importante na vida das pessoas. Torço muito e tal. Participo. Às vezes eu tenho uma sensação de que é tudo armado. Como escrevo sobre artistas, celebridades. Às vezes eu vejo que tudo é armado. De repente o cara deixa fotografar a festa do filho, e depois reclama que tinha alguém que invadiu a sua festa. Na verdade você vê que a foto que foi feita não era uma foto amadora, foi uma foto produzida. Então era mentira que invadiram e publicaram sem autorização. É tudo armado e tal. Aí você começa a desconfiar se os jogos não são armados. E você começa a ouvir essa história de mala, que deram mala pro jogador para vencer tal jogo contra outro time... Acho que isso tira completamente a graça. Se for armado, não tem por que a gente torcer. A vida perde o sentido com a mentira!

Mané: Já foi ao Palestra?

Leão: Já. Eu gosto muito. Já fui até sócio. Agora não sou sócio, mas já fui sócio do palmeiras.

Mané: Então você é gay e torce pelo Palmeiras. Como é essa história de que só são-paulino que é gay?

Leão: É histórico que os são-paulinos passavam pós de arroz no rosto, como os tricolores do rio. Por um acaso, é uma coincidência. Porque tinha jogadores negros e não podiam ter jogadores negros. Era um preconceito que gerou outro preconceito. Eles passavam pó no rosto para entrar, né? Por isso eles passavam pó de arroz. Isso é uma grande bobagem, também. Não é por aí, né?

Mané: Há algum tempo, um dirigente do Palmeiras insinuou a homossexualidade de Richarlyson, e sofreu uma queixa-crime. O que você pensa disso?

Leão: Não estou falando do Richarlyson. Mas eu acho que as pessoas têm todo o direito de ficar no armário. Agora, eu acho um desserviço para alguém que for homossexual e que não assume por causa do futebol, por causa do dirigente, por causa do time. Assim como artistas, galãs de novela, apresentadores, não assumem. Eu acho que é igualmente ruim pra eles. A pessoa só está fazendo mal para si mesma. Está deixando de viver por causa da profissão. Deixando de viver. Deixando de ser um pouco mais feliz do que poderia ser se fosse mais livre. Por causa dos outros. Eu já fui até acusado de ficar querendo que todo mundo seja gay. Não. Eu quero que as pessoas sejam felizes. Eu fico triste quando descubro que alguém vai fazer uma novela e a emissora não deixa ele assumir, porque está num estágio da carreira que não pode. Que o patrão fez um acordo com ele, para ele nunca revelar que é gay. Então o cara casa, tem filhos, ele se faz infeliz, faz outras pessoas infelizes. Eu acho uma grande bobagem, um grande desserviço. Estamos no século 21 e não temos mais tempo para brincar disso. É uma coisa imbecil.

Mané: Se você fosse jogador, assumiria que é gay?

Leão: Eu falaria, porque eu falei num campo que é difícil, que é a TV. Acho que eu sou o único que assumiu. Nem o Clodovil assumiu publicamente. Ele fazia aquela mise em scène toda, mas não assumia. Mas não precisava, né? Assim como eu talvez nem precisasse, mas eu assumi numa boa. Fui o primeiro no Brasil e acho que continuaria assumindo. Enfim, acho uma grande bobagem.

Mané: Há outros jogadores que você saiba que são gays?

Leão: Muitos, muitos. Técnicos também, né? Inclusive técnicos pedófilos. Agora, não estou aqui para ficar entregando ninguém. É da consciência e responsabilidade de cada um, né? Eu já tive contato com jogador por causa do programa de TV. Eles são celebridades. Eles fazem parte da minha preocupação, também. Eu não estou preocupado. Para mim interessa o que ele joga em campo. Que ele seja feliz! Acho que o cara joga melhor quando é mais livre, mais feliz.

Mané: O que você acha do outro Leão – o técnico?

Leão: Arrogante.

Mané: E do Dunga?

Leão: O dunga é um batalhador. Eu acho que é um cara que é estrategista. Só de ele ser uma pessoa que segue o Felipe Scolari, que eu amo, já acho que ele é legal.

Mané: Você gosta do Felipão porque ele era do Palmeiras?

Leão: Porque era do Palmeiras, e porque já o conheci pessoalmente. Acho um caráter maravilhoso. Como eu achava aquele professor que morreu. Que eu não vou me lembrar o nome. Se você falar, até me lembro.

Mané: O Telê?

Leão: Telê Santana, né. Que eu achava uma pessoa seriíssima, e tive muito respeito por ele. Embora ele nunca tenha sido do palmeiras, não me lembro.

Mané: O Telê já foi. Umas duas vezes, eu acho. (Telê treinou o Palmeiras em 1979, com muito sucesso, embora sem título algum. Depois, em 1996, chegou a assinar contrato com o Palmeiras, mas problemas de saúde o impediram de assumir.)

Leão: Chegou a ser, né? Eu gostava dele, achava ele bacana e tal.

Mané: E do Muricy?

Leão: Eu gosto do Muricy. Acho que ele pressiona muito os jogadores, às vezes. Isso eu via no São Paulo e vejo agora no palmeiras. Como ele pressiona demais, acho que às vezes o rendimento cai de medo. Porque ninguém funciona na base do medo. A impressão que me dá é que é desconfortável, que ele exige demais. Com algumas pessoas pode até funcionar isso, com outras acho que não.

Mané: Com você funcionaria?

Leão: Não, porque eu já me cobro demais. Então alguém que me cobre demais assim, não funciona. De jeito nenhum. Isso falo no meu trabalho, mas imagino que se estenderia para o futebol também.

Mané: Luxemburgo?

Leão: Eu acho ele muito exibido. Lembra um pouco o Leão, mas menos arrogante. Um pouco menos arrogante. Mas tão exibido quanto. Acho que ele quer aparecer mais que os jogadores. Claro que o treinador é importantíssimo, mas a estrela mesmo em campo é o jogador. Tem que ser o jogador.

Mané: E o Ronaldo no Corinthians?

Leão: Antes de qualquer coisa, o Ronaldo é uma estrela. Eu nem sei dizer se ele joga bem. Porque ele vai lá e faz. Ele tem uma estrela mesmo, né? Às vezes ele nem está jogando bem, e chuta certo. É um fenômeno mesmo, né? Geniozinho, assim.

Mané: Se estivesse passando uma partida de futebol ao mesmo tempo que uma novela. Qual você assistiria?

Leão: Eu fico entre os dois. Eu amo novela. Não é que eu ficaria. Eu fico.

Mané: Você conhece muitos boatos sobre jogadores de futebol?

Leão: Muitos. Boatos, não. Histórias, mesmo. E às vezes também alguns boatos. Eu tenho que selecionar. Conheço jogador que teve caso com ator. Jogadores que saíram com atrizes. Já teve uma história muito engraçada, que disseram que um jogador que ia casar com uma moça dessas ... De ocasião, né? Nem conto, que hoje ela tá casada com um cantor. Ela ligou para tirar satisfação, que eu tinha falado alguma coisa. Ele estava enrolando, porque ele ia embora do Brasil. Ela falou: “Fala aqui com ele”. Eu falei: “Pô! Você para de enrolar a moça, que você não vai casar!”. Tinha alguns dias pra terminar o contrato e ele ir embora do Brasil. E ele: “Pô, cara, não estraga a minha!”. Aí o telefone voltou para ela, e ela falou: ”A gente vai casar, sim!” É, realmente. Passou uma semana e ele foi embora do Brasil. Foi para a Espanha.

Mané: O que você acha de mulheres jogando futebol?

Leão: Acho interessante. Tem vários talentos, sim. Às vezes elas são melhores que os homens, inclusive. Às vezes acho o futebol feminino mais organizado. Sabe o que eu acho legal? A sensação que me dá é que elas trocam mais entre elas. É mais um time! Essa noção de time. Elas realmente têm essa coisa de “vamos prestar atenção na outra, vamos passar a bola uma para a outra”. Às vezes as jogadoras até não brilham tanto individualmente porque elas têm mais essa noção de equipe.

Mané: Que celebridades gostam muito de futebol?

Leão: Adriane Galisteu, minha amiga que sei que é palmeirense. O Chico Anysio eu sei que gosta muito. O Henri Castelli, que é apaixonado pelo futebol e pelo São Paulo. O Dan Stulbach, que até escreve de futebol.

Márcio, o motorista: O Lula!

Leão: Ah, o Lula! O presidente, claro. Que é corintiano e gosta de falar dessas coisas. Tudo ele compara com futebol. Aliás, acho acertadamente, porque é uma linguagem que é próxima do povo. Então acho bem legal.

Mané: De que jogadores você mais gosta?

Leão: Tem um jogador preferido pelo caráter, dignidade pelo que ensina em campo para as pessoas. É o Marcos. Eu tenho antipatia, não porque não é do meu time, que é pelo Rogério Ceni. Que é arrogante, tolo. Quer ensinar, mas não se ensina com arrogância. Acho que o Marcos ensina com humildade. Acho essa a grande diferença. Acho um grande goleiro. Pode ter problemas, mas é um grande profissional. Ele é muito fantástico. Outra pessoa - sem nenhum tipo de afetação nem nada, né? - era o Zetti, que era goleiro do Palmeiras, mas era uma pessoa incrível. Gosto do Denílson, com toda a malandragem, toda a safadeza dele. Acho incrível, porque acho divertido, alegre. Ele tem uma coisa assim, como figura mesmo, né? Ele é agradável e tal. Uma outra pessoa que eu gosto, que acho que ensinou muito o Brasil com toda a malandragem dele, é o Romário. Como grande jogador. (Outro que) adoro até pela alegria, teve uma fase ruim, mas está voltando aos bons tempos, é o Ronaldinho Gaúcho. DETESTO o Kaká. Acho um falso. Falso, mentiroso. Nada a ver com a religião dele. É que é tudo tão artificial em torno dele, que eu não acredito.

Então Márcio estaciona na Alameda Santos, o destino de Leão. Eu digo o endereço do blog, ele não entende direito e pede para mandar por e-mail. Despedimos-nos.

5 comentários:

Lauríssima disse...

Fantástico! Até eu, que não entendo nada de futebol, li até o final!

Ester disse...

Comecei a ler este blog (pela primeira vez) pela entrevista e ñ consegui sair dele (faltam 20 pra 1 da manhã). Genial. Prometo divulgar p/ o meu pai, irmão e amigos (o namorado já recebeu o link). Congrats!

Anônimo disse...

Grande Ursípedes!!!

Essa foi foda...

Acertou na veia...

Mais uma...

Forte abraço!!!

F. Homer

Luiz Henrique Mendes disse...

Totalmente excelente! Até o Leão Lobo deu respostas interessantes, rs!

Boa, André!

Bruno Ferreira disse...

André,

Genial! Parabéns!!!

Alguém precisa descobrir vc!!!

Um abraço!