sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

9 - Os Presidentes do Penta - JK


Começamos o governo de JK com muitas incertezas. Parecíamos aquele menino talentoso, que sabe perfeitamente de sua capacidade, mas não consegue prosperar sabe-se lá por quê. Havíamos fracassado nas duas últimas copas com times bastante qualificados, mas que fraquejavam na hora de decidir. Tínhamos a vocação de uma grande potência, mas pombas!, isto ainda não era nada palpável!

Mas desta vez poderia ser tudo diferente. Para a Copa do Mundo, sediada na Suécia, preparamos um projeto tão minucioso quanto inédito. Se antes íamos à Copa apenas reunindo os jogadores e o treinador, e depois viajando ao país sede para nos hospedarmos em um hotel que a Fifa reservara, desta vez planejamos tudo tal qual uma mãe super protetora.

Começando pela escolha do técnico, houve uma grande mudança. Ao invés de nomes óbvios como Flávio Costa ou Zezé Moreira, decidiu-se por Vicente Feola. Ao contrário dos outros dois, que se negariam a ouvir sugestões e decidir em conjunto, Feola tinha a humildade que o cargo naquele momento precisava. A situação lembra bastante a atual, quando Teixeira se decidiu por Dunga.

Nas duas últimas Copas, tínhamos grandes jogadores, como Djalma Santos, Julinho, Baltazar e Didi. Mas nossos craques eram como ilhas independentes em campo, como Ronaldinhos, Kaká e Adriano em 2006. Escolheram um técnico que decidisse em conjunto para que os craques também soubesse atuar como equipe.

Nossos jogadores passaram todos pelo dentista. Tudo bem que eles ganhassem salários comparáveis aos de médicos e advogados da época, mas haviam ali bocas absolutamente podres. Aquela delegação tinha 32 dentes imprestáveis, todos retirados.

Também passaram pelo médico comum. Muitos jogavam com alguns companheiros dentro de si: vermes, lombrigas e afins. E também houve exame psicotécnico. Tudo bem que ele não serviu de grande coisa, pois o psicólogo em questão aconselhou que Pelé e Garrincha não fossem aproveitados. Aliás, o nosso escrete era o único com dentista e psicólogo com a delegação na Copa. Os cuidados dos dois não foram necessários durante a competição, mas se fossem, lá estariam eles.

Os hotéis não foram escolhidos ao acaso. Houve a devida preocupação com o conforto dos jogadores que passava pelo clima aos campos para treinamentos regulares. Sabendo do potencial sexual de nossos jogadores, foi pedido também ao hotel que trocasse todas as funcionárias por... funcionários!

Enfim. Tudo o que atrapalhava nas últimas copas foi mapeado para que, desta vez, não houvesse meio de nosso melhor futebol não sobressair.

Já Juscelino assumiu em 1956 o governo de um país que não decolava. Não tínhamos furacões, terremotos, maremotos e vulcões. Muito pelo contrário. Solos férteis ocupavam a imensa maioria de nosso país. Havia mão de obra barata de sobra, com muito afinco para trabalhar. Mas mesmo assim, não confirmávamos o que a nossa vocação previa.

Juscelino foi peremptório desde o início. Estabeleceu o Plano Nacional de Desenvolvimento, o Plano de Metas, com o objetivo de crescer cinqüenta anos em cinco. Tudo bem que isso fosse mais uma frase de efeito, já que em cinco anos só é possível crescer... cinco anos. O que ele queria era provocar o clima e todas as condições necessárias para que o país crescesse muito.

As metas eram divididas em cinco grandes setores. A energia, o transporte, a indústria, a educação e a alimentação. Havia, pois, uma meta que simplificava todas as outras: construir Brasília.

Ao longo do governo, Juscelino conseguiu cumprir as três primeiras metas. Daí se vê a grande importância que ele deu a tudo que fosse visível e tangível. O capital brasileiro abriu-se mais ao estrangeiro do que a defesa do São Paulo abriu-se ao ataque da Portuguesa naquele 7 a 1. Máquinas e equipamentos industriais entraram no país praticamente sem impostos. Também o capital externo, que se associava simbolicamente ao interno.

Desse modo, a nossa industrialização envergou-se. A partir dos anos 30 as indústrias surgiram no Brasil, mas era a indústria leve, com bens de consumo não duráveis. Agora, era a indústria pesada que começava a ser criada aqui, com bens de consumo duráveis. Substituíamos, pois, a importação pela industrialização.

O ápice disso foi a construção de Brasília. Dizem que com o dinheiro gasto para construir nossa capital, seria possível erguer três delas. Mas Juscelino é sábio. Se uma Brasília já é muito chata e monótona, imagine três delas? O serrado morreria de tédio.

A Copa começou para nós em 8 de junho de 1958. Poucos dias antes, corremos o risco de perder nosso maior craque. O Brasil realizou um amistoso contra o Corinthians no Pacaembu, e Pelé foi vítima de uma entrada criminosa no joelho. Ele seria cortado, mas como era o Pelé, era prudente esperar mais um pouco. Já na Suécia, o joelho não parecia muito bom, e Pelé chegou até a pedir para voltar. De novo: como era Pelé, era prudente esperar mais um pouco. A espera foi recompensada: em 8 de junho, Pelé estava na estréia do Brasil contra a Áustria.

O jogo foi tenso, conforme era esperado. Se perdêssemos, a chance de cairmos na primeira fase era gigantesca. Além dos prejuízos práticos de um derrota – a perda dos pontos -, o moral da nossa seleção seria absurdamente abalado. Sem contar que os outros adversários – União Soviética e Inglaterra – eram dois dos mais fortes do mundo.

Contra os ingleses, apenas empatamos, e o jogo final da primeira fase era crucial, contra a União Soviética. E aquele jogo não seria só mais um. Era a estréia de Garrincha, e pela primeira vez seríamos os favoritos da Copa.

Apesar de o time ter Pelé, Didi, Vavá e Mazzola, faltava algum encanto. Esse encanto tinha pernas tortas. O Brasil foi avassalador contra a União Soviética. Ganhou apenas por dois a zero porque eles tinha Yashin, um dos melhores goleiros de todos os tempos. Os dois gols foram de Vavá. E os dois passes foram de Garrincha.

Por aqui, já era notícia geral de que Garrincha espantara os gringos. Eles nunca tinham visto jogador parecido. Aliás, se Garrincha já era um espanto para os acostumados ao futebol carioca, imagine para os europeus, acostumados com o futebol... europeu? Garrincha fez esquecer Julinho – até então o maior ponta do mundo.

Para o próximo jogo, Juscelino chamou Amaro, o pai de Garrincha, para que juntos ouvissem a partida. Amaro se sentiu honrado, mas não deve ter gostado muito. Fora do estádio, acompanhar uma partida de futebol é tarefa das mais íntimas – comparável ao sexo! E o analfabeto que estava acostumado a reações das mais intempestivas, acompanhou, manso, a partida ao lado do presidente. Brasil 1 x 0 País de Gales.

Na semifinal, contra a França, foram as esposas dos outros jogadores que acompanharam Juscelino na escuta. Deu sorte de novo: Brasil 5 x 2 França. Aliás, a França saiu à frente. Mas Didi, calmo como sempre, foi ele mesmo buscar a bola no fundo do gol e caminhou lentamente até o meio de campo, passando a tranqüilidade necessária aos jogadores, aos torcedores e, por que não?, a ele mesmo.

Na final, também saímos perdendo. Mas a força daquela seleção foi superior a qualquer lembrança de maracanazzo. Nem foi preciso que Didi repetisse o gesto, pois todos os jogadores sabiam da previsibilidade daquele título que não poderia ter outro dono. Cinco a dois, sem chances para a Suécia, que jogava em casa.

De volta ao Brasil, nossa seleção desfilou primeiro por Recife - onde o avião fez escala -, depois pelo Rio de Janeiro, onde encontraram suas famílias e o presidente. Juscelino, aliás, disse, no impulso de quem era campeão pela primeira vez, que todos os jogadores ganhariam casa própria. Passado um ano, com a promessa ainda não cumprida, Juscelino fez uma proposta mais branda. Que eles tivessem, sim, a casa própria, mas que pagassem por ela em suaves prestações.

O desenvolvimentismo de Juscelino teve um grande preço. O Brasil tornou-se absurdamente dependente do capital estrangeiro. Se crescíamos 7% ao ano, as dívidas aumentavam muito mais. E a inflação assombrou os governos posteriores, mas isso ficaria para depois. Porque a empolgação era assombrosa. Além do inédito campeonato mundial no futebol, Éder Jofre também foi campeão mundial de boxe também em 1958. Em 1959, a seleção de basquete dos homens foi campeã mundial, e a tenista Maria Esther Bueno ganhou Wimbledon e US Open.

Quando Juscelino Kubitschek disse que o Brasil cresceria cinquenta anos em cinco, fez uma profecia ao contrário: seriam cinco em cinquenta. Quero dizer: cinco copas nos próximos cinqüenta anos.

A seleção:

1 Castilho - Fluminense
2 Bellini - Vasco da Gama
3 Gilmar - Corinthians
4 Djalma Santos - Portuguesa de Desportos
5 Dino - São Paulo
6 Didi - Botafogo
7 Zagallo - Flamengo
8 Moacir - Flamengo
9 Zózimo - Bangu
10 Pelé - Santos
11 Garrincha - Botafogo
12 Nilton Santos - Botafogo
13 Mauro Zagueiro - São Paulo
14 De Sordi - São Paulo
15 Orlando - Vasco da Gama
16 Oreco - Corinthians
17 Joel - Flamengo
18 Mazzola - Palmeiras
19 Zito - Santos
20 Vavá - Vasco da Gama
21 Dida - Flamengo
22 Pepe - Santos

Treinador: Feola

Fontes: Estrela Solitária - Um Brasileiro Chamado Garrincha
Site Brasil Escola
Site Memorial JK
Livros de História da escola

Um comentário:

Anônimo disse...

Brilhante!!!

Belíssima pesquisa, texto leve, inteligente.

Nota 10!!!!

F.Homer